sábado, 19 de outubro de 2024



AINDA SOBRE DOMENICO SACCO

Saudações a todas amigas e todos os amigos que acompanham as postagens que faço sobre a "vicenda" da Famiglia Sacco. É bastante complicado obter informações sobre personagens que marcaram nossa história familiar. Quisera comentar aqui mais alguns aspectos sobre Domenico Sacco, o mais jovem dos três irmãos que vieram com seu pai, Giuseppe Sacco e sua mãe, Mariarosa Pacelli, para o Brasil em 1898. Domenico contava apenas 17 anos de idade quando desembarcou no Rio de Janeiro. Ocorre que apenas 17 anos depois, quando ele contava 35 anos, retorna para a velha Itália para alistar-se no "Reggio Esercito" para lutar contra o então chamado Imperio Austro-Úngaro e a Alemanha, seu poderoso aliado. O que consegui apurar nas mensagens trocadas com historiadores italianos, os professores Emilio Franzina e Antonio De Ruggiero, é que o governo italiano, através de suas agências consulares, financiou as despesas de viagem dos ítalo-americanos que haviam decidido atravessar o Atlântico para fazer parte da Grande Guerra (1914-1918). Em torno de 10 mil homens seria o tamanho desse contingente de todo o Brasil. No caso do Rio Grande do Sul ascendeu a 392 indivíduos. O embarque teria acontecido entre junho e setembro de 1915.

A informação procede, dado que os documentos militares a que tive acesso através de mensagens que troquei com o Ministério da Guerra italiano dão conta de que o alistamento de Domenico Sacco ocorreu no dia 21 de janeiro de 1916. Três meses antes disso (20/10/1915), ou aproximadamente depois de 3 meses de seu desembarque em Gênova, ele envia a foto em trajes militares para o querido irmão Vincenzo Sacco desde Caserta, onde se encontrava naquele momento. O que pude apurar é que a saída desses recrutas foi marcada pela exaltação à coragem desses homens e rapazes que se lançaram à aventura de defender a Itália. Na despedida em Porto Alegre brindaram comidas, bebidas, cigarros e outros agrados aos entusiasmados combatentes. Alguns deles se viam diante da possibilidade de conhecer a terra dos ancestrais, como bem destaca o trecho do artigo escrito por De Ruggiero:

[...] a decisão foi motivada por uma série de outras questões, entre as quais a grande curiosidade e a possibilidade única de poder visitar “gratuitamente” os lugares de origem, fortemente idealizados nos anos da juventude. Como se podia ler já no edital oficial da primeira chamada enviado por Roma e divulgado em todos os consulados e vice-consulados, o governo italiano se comprometia com o pagamento da viagem de ida e volta (De Ruggero, 2016, p.304)

Da alegria sobreveio a frustração quando tais indivíduos desembarcaram em Gênova. O fantasma da "Itália madrasta", que fez seus filhos atravessarem o Atlântico em busca de pão e de trabalho que lhes havia sido negado em solo pátrio, se insurge como um espectro assustador. De Ruggero, professor da PUC de Porto Alegre, toma por base o relato de um gaúcho de 18 anos (Olynto Sanmartin) de Santa Maria que estava no grupo a que pertencia Domenico Sacco. No porto de Gênova era grande a decepção e o clima de desespero dos "raggazzi", como descreve nesse relato:

Não havia as bandeiras tricolores, as fanfarras, a comida, a fruta, os cigarros e as bebidas que as autoridades ofereciam do outro lado do oceano à véspera da partida. Pelo contrário, Olyntho percebeu um clima pesado de difidência [desconfiança] e hostilidade, quando com um grupo de outros reservistas ítalomericanos, antes de pegar o trem para sua destinação final, Vicenza, parou para comer em um restaurante da cidade portuária. A maioria dos soldados “continuava na ilusão de que tudo ainda era pago por conta do governo”. Com pouco dinheiro no bolso, muitos deles aproveitaram a ocasião para comer em abundância, antes de descobrir que nada era de graça. Um deles, que “denotava desleixo, pobreza, desânimo” na hora de acertar a conta, desapareceu, fugindo sem pagar. Olyntho, que por acaso tinha-se sentado ao seu lado, apesar de nem conhecer o camarada, teve que quitar a dívida, obrigado pelo proprietário violento do local e por um policial sem piedade (De Ruggiero, 2016, p.304-305; aspas no original). 

Já escrevi sobre Domenico Sacco algumas coisas nesse blogg, mas não deixo de fazer novas buscas porque entendo que sua história pessoal diz muito sobre o que aconteceu no mundo há pouco mais de um século. Entendo que esse registro é crucial, sobretudo para aqueles que anseiam ir mais além da superficialidade das coisas e que alimentam uma curiosidade sobre a vida, sobre os que vieram antes de nós e o mundo que nos cerca. 

Fonte: DE RUGGIERO, A.. A Grande Guerra do ítalo-gaúcho Olyntho Sanmartin. Revista de História da Unisinos, v. 20, p. 300, 2016.

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